Sem sombra de dúvidas a Peste Negra é um dos períodos mais macabros da humanidade, e sempre me interesso por obras que se passem nessa época. Não podia ser diferente com "A Plague Tale: Innocence", um jogo que eu sinceramente não esperava muita coisa. Sabia que ia me divertir, mas não estava ansioso ou com grande expectativa. Mas tá aí uma obra que eu REALMENTE gostaria de não saber nada sobre pra ter o prazer de descobrir sozinho do que se trata, isso porque foi extremamente satisfatório zerar essa maravilha, então se não conhecer, recomendo nem olhar imagens nem vídeos, só ir jogar e se surpreender nas 12 horas incríveis de jogo.
Mas se você prefere ler essa review, então vamos lá! A história se passa em 1349, no Reino da França, quando a pacífica vida da jovem Amicia, de 15 anos, se torna o caos com a invasão do lugar onde mora. Todos os que ela conhece morrem violentamente e de forma abrupta, tem que fugir com seu irmão, Hugo, de apenas 5 anos, que ela mal conhece por sofrer de uma doença desde o nascimento e ficar o tempo todo no quarto. Porém a coisa está pior, uma praga caiu sobre o reino e fanáticos religiosos caçam e queimam aqueles que consideram culpados pelo mal.
Realmente esse jogo foi uma bela de uma surpresa maravilhosa! A princípio o que me atraiu foi o seu universo fantástico, essa ideia de misturar peste negra, uma legião de ratos e a inquisição foi algo que gerou um belo de um ambiente sombrio que era impossível eu não gostar. Por outro lado teve um detalhe que me chamou a atenção e que já me fez saber que ia ser um jogo que eu ia gostar, mas que certamente não seria uma obra prima. E estou falando do fato de ser da Focus.
A Focus é uma distribuidora que vejo se esforçar muito para entregar jogos com histórias fenomenais somada a gráficos bonitos. E quem vê de fora logo se encanta, afinal de contas são dois elementos que facilmente se destacam em trailers, um visual legal e uma história diferente do mar de clichês que vivemos. Então o que poderia dar errado né?
Bom, o problema é a jogabilidade e limitação que os jogos da empresa costumam apresentar. Jogos como Bound By Flame e The Technomancer por exemplo, tem o marcador "Mundo Aberto". Aí você olha, vê uma ambientação linda, vê uma história diferenciada, e ainda é em mundo aberto! É fácil esperar o jogo perfeito, não? Mas aí você entra e percebe que o "mundo aberto", na verdade são grandes áreas conectadas.
E no geral, toda a jogabilidade dos jogos dela costumam ser limitados. Você vê coisas como pequenas árvores de evolução de personagem e sensação baixa de liberdade como em Call of Cthulhu. Até mesmo jogos mais polidos como Vampyr, mostram suas limitações, como o mundo aberto do jogo parecer ser um modelo 3D estático onde nem efeito do vento em panos tem. Coisa que normalmente não acontecem em títulos Triplo A.
Até mesmo jogos da empresas que foram aclamados, se você observar bem, tiveram uma boa jornada antes de ser amado. Um exemplo é Styx: Shards of Darkness, que conseguiu ótimas notas no steam, mas se você olhar, ele não é o primeiro, é a sequencia de Styx: Master of Shadows, que por sua vez é um Spin Off de um outro jogo da Focus, o Of Orcs and Men.
Esse tipo de coisa gera frustração porque as pessoas criam uma expectativa tão alta, que pensam que cada jogo da Focus é uma obra triplo A que tá pra sair, e ao verem que não é, descem o cacete. Mas faz muito tempo que aprendi a entender a Focus e cada jogo que ela lança, é quase certeza que eu vou adorar. Isso porque sei o que devo esperar e aproveito mais a história e a ambientação, vou jogando e curtindo, no fim termino e é isso aí! Uma beleza!
Com "A Plague Tale: Innocence", eu fui na mesma expectativa. Eu pensei que era um RPG em "mundo aberto" em que eu tinha que ir pra lá e pra cá, tunar uma árvore de talentos limitada e ver a história evoluir. Mas realmente eu errei em quase tudo, inclusive no gênero do jogo, que não é RPG, mas sim Stealth com alguns outros elementos.
A ideia de um jogo linear em si já me chamou a atenção, pois apesar de eu gostar de mundos abertos e RPG's, a falta de tempo tem me matado, e jogar um jogo sabendo que não vai ter 40 horas me agrada bastante. É tipo aquela vontade de assistir um filme ao invés de uma série pra ver logo o começo, meio e fim, entendem? E eu não pretendia zerar, pretendia jogar o suficiente para entender a mecânica, ver a história até um certo ponto e ter material o bastante para analisar, mas esse foi um jogo que eu devorei.
Aliás, tem muito tempo que eu não sinto a sensação que esse jogo me causou, viu? Essa atmosfera de ser uma história de livro, de evoluir a coisa, de surpreender. Quero dizer, os últimos jogos que zerei foram fantásticos, mas tinham uma atmosfera psicológica, o Yuppie Psycho e Katana Zero, e mesmo jogos anteriores tem atmosferas muito diferentes.
Esse aqui é aquela coisa, 12 horas pra zerar, dividido em capítulos e cada capítulo uma parte da história. Mas o jogo não é daqueles que sacrifica a jogabilidade pra contar a história, como os da Telltale, por exemplo. Você tem também um controle legal da personagem e mesmo não sendo um jogo com foco em combate, a equipe provou que não tem medo, e você usa armas, tem correria para fugir de inimigos, etc.
O que quero dizer, é que realmente o que temos aqui é um jogo com uma experiência completa, história boa que consegue te prender, jogabilidade com variação, gráficos muito legais com uma quantidade surreal de ratos te seguindo em meio às sombras e detalhes que se destacam de vez em quando e te chamam a atenção, como a música, ou mesmo comentários dos personagens.
A sensação que eu tive, é que no desenvolvimento, primeiro alguém escreveu um livro de aventura, com todas aquelas técnicas de narrativa que fazem a pessoa desejar uma adaptação para filme, depois entregou para a equipe de produção e disse "Faça um jogo disso", e ao invés de eles fazerem um jogo repetitivo, decidiram pegar cada capítulo e realmente se esforçar para adaptar ele, colocando variações na coisa.
A história não apenas afeta a jogabilidade, como surpreende, afinal de contas convenhamos, vai dizer que essa história não parece ser previsível pra caramba? Porque apesar do universo, eu imaginei que seria o seguinte "Dois irmãos vagam por um mundo caótico, são perseguidos e choram, e no final um deles morre, garantindo um fim triste e emocionante!", mas realmente a coisa varia loucamente! Tem uma evolução real na trama e chega um momento em que você vê que foi além da jornada.
E a forma em que os capítulos são conduzidos te prendem demais, existem vários outros elementos presentes. Por exemplo, por que diabos mataram todo mundo na vila dela? Por que um cavaleiro da Inquisição tá te caçando sem parar? O que são as coisas gosmentas que estão aparecendo, e de onde vem essa legião de ratos que comem pessoas e só tem medo de fogo?
No primeiro capítulo, por exemplo, você controla Amicia em uma floresta, caçando um javali com o pai. E a atmosfera já se mostra fantástica, correr pela floresta, o cachorro dela junto. E de repente, BUM, acontece algo sinistro ali no meio das árvores. Nos capítulos seguintes você vai vendo uma surpresa atrás da outra. A narrativa é gostosa de se acompanhar.
Inclusive é maravilhoso ver como os personagens agem de forma natural. Amicia não é destemida, ela tenta fazer o certo, mas também tem medo, inclusive é capaz de abandonar e mentir. Não é aquele tipo de heroína que "Temos que ir para o meio das trevas porque é certo ajudar as pessoas!". Assim como não é uma assassina nata. A primeira pessoa que ela mata a deixa perturbada, e a segunda também. Matar é alternativo no jogo, mas você vai vendo a personagem mudando.
O mais legal é que eles não abandonam esses elementos, por exemplo lá pelo fim do jogo (relaxem, não vou dar spoiler) tem um momento em que um dos NPC's que você encontra está pedindo ajuda, e por um motivo decidi ignorar. Resolvi inclusive fazer pior, usei a lançadora de pedra pra matá-lo. Apesar da própria Amicia não dizer nada, o NPC que tava com ela disse algo do tipo "Nossa... Ele era inofensivo...". Então eles trabalharam bem nos personagens.
Hugo também se destaca, ele não é aquela criança perfeita e boazinha, mas também não é uma praga que te irrita. É um meio termo e graças a isso, acredito que gostar dele ou não, vai depender se a pessoa gosta de crianças ou não. Às vezes ele faz comentários inocentes que fazem dar boas gargalhadas, como quando você vai usar comida para atrair um porco e o usar de isca para os ratos e o garoto pergunta "Vamos alimentar o porquinho?" e ela responde "Er... É um jeito de enxergar...", e ele sai todo feliz na frente "Eba! Vem! Vem porquinho! Chomp! Chomp!".
A interação entre os dois também é muito natural. Ela não conhece Hugo porque mal o viu graças à sua doença, aliás, tá aí outro ponto que adicionaram e que só deixou a história mais robusta, normalmente nessas histórias são "Eles eram os melhores irmãos de todos!", mas aqui ela não sabe direito sobre quem ele é. Mas apesar de tudo, sabe que é sua família e tenta protegê-lo, mas perde a paciência, ela não é perfeita, por exemplo tem um momento em que ela tá irritada conversando e ele fica com medo e vai pegar na mão dela, e ela puxa com grosseria. Isso reflete na forma que Hugo passa a agir com ela nos momentos seguintes.
O contrário também acontece, e enquanto muitas vezes Hugo fica empolgado e vai correndo para o novo ambiente ver o que é, a falta de paciência da irmã e inabilidade de dizer certas coisas que o irritam. Tem uma vez inclusive que ele dá birra com um martelo e gera um baita de um momento tenso. Eu achei hilário pela naturalidade, mas muita gente pode achar o moleque uma praga.
Apesar de ter momentos em que você controla Hugo, o foco do jogo é praticamente inteiro em Amicia, então você não varia entre um personagem e outro. Você é ela e dá ordens para o personagem fazer coisas como pegar, puxar uma alavanca, ou esperar enquanto você faz algo. Mas se você se afastar demais de Hugo, ele começa a ficar com medo e chega um ponto em que surta e chama atenção, portanto é essencial estar com ele.
A mecânica principal é de stealth, portanto se abaixar, se esconder atrás de paredes ou na vegetação é algo bem frequente. Você também pode atirar coisas, usando a atiradeira é mortal, porém faz barulho, você precisa matar antes que alguém te alcance ou o jogo acaba, porém é possível jogar vasos para quebrarem em algum lugar e chamar atenção, ou jogar uma pedra com a mão em algo de metal.
Com o passar do jogo, você também vai destravando uma série de novas habilidades, como atirar uma pedra com fogo para acender tochas, ou uma substância que atraem ratos para um determinado lugar. Suas habilidades também podem melhorar com uma bancada de aperfeiçoamentos em que você usa itens que vai coletando. Esses itens servem tanto para criar munição quanto para aumentar habilidades, e aí você tem que usar com sabedoria.
Além dos inimigos humanos, quando a noite cai ou ao entrar em ambientes escuros, uma quantidade absurda de ratos surgem. É demais isso no jogo, apesar do ciclo de dia e noite não acontecer automaticamente, é extremamente atmosférico você notar que está andando há algum tempo de dia e até esquecer, quando de repente ouve um estouro e vê uma legião absurda.
É preciso se abrigar ao lado de tochas, nem todas podem ser carregadas, e às vezes simplesmente não tem como passar por uma parte sem ser correndo. Inclusive é especialmente com os ratos que introduz um outro elemento bem forte no jogo, que é o de puzzle. Muitas vezes você precisa observar o cenário e tentar entender como vai usar ele a seu favor. Às vezes inclusive tem ratos e inimigos humanos ao mesmo tempo.
Você pode usar suas armas para usar o útil ao agradável, por exemplo, os inimigos com lampião podem te ver e começar a correr em sua direção, mas se você atirar uma pedra no fogo dele e apagá-lo, os ratos vão avançar e devorá-lo. Com munições diferentes você pode criar estratégias diferentes para passar de um lugar, ou mesmo tentar improvisar fazendo algo inusitado como correr passando por eles e tentar desviar.
Os ambientes não são nada preguiçosos, realmente trabalharam lindamente para fazer locais únicos, tanto naturais quanto construções ou mesmo desastres. Enquanto tem jogos que repetem os mesmos elementos várias vezes, nesse aqui você só acha ambientes únicos, desde pequeno ambientes como um rio com um cais e cheio de elementos naturais, até coisas grandiosas como uma gigantesca catedral, e até mesmo coisas horrivelmente belas como um campo de batalha lotado de corpos em que você tem que passar por cima.
Apesar de tudo, assumo que não gostei de tudo na história. E isso acontece especialmente porque ela por muito tempo é guiada de forma tão impecável, que quando certos elementos apareceram, começaram a me desagradar. Não que tenha estragado a coisa toda, mas é que acho que chegou tão perto de ser perfeito.
Por exemplo, eu não sabia que era um ambiente de Dark Fantasy. Sim, eu sei que a quantidade de ratos surreal comendo gente é fantasiosa, mas eu pensei que parava por aí. Mas logo vi que era Dark Fantasy, o que com certeza não é um problema, especialmente porque no início tudo é mostrado de maneira tão modesta que ficou até charmoso. Tipo Berserk na era de ouro, que o sobrenatural estava lá, mas era tão modesto que o foco era mais na humanidade.
No entanto chega a um ponto que as coisas ficam meio exageradas, e uma história que poderia ser completamente séria, acaba ganhando um rumo mais "joguinho", o que sinceramente achei uma pena. A sensação foi EXTREMAMENTE parecida com a que eu tive em Fahrenheit, que tem uma baita atmosfera gostosa, mas que é quebrada por ser respondida com exageros.
Então eu tenho a sensação de que eles poderiam ter deixado os elementos que colocam para um outro jogo, até porque eles são muito gostosos sim, inclusive o último chefe é épico. Muito divertido de lutar contra, morri várias vezes, mas é uma ambientação tão grandiosa e a jogabilidade tão delicinha, que simplesmente é difícil não gostar, mas... Eu acho que se encaixaria melhor em um jogo menos sério, mais animadinho.
Mas é o que falei, é uma opinião pessoal, sei que muita gente não vai achar isso, inclusive muitos devem até mesmo gostar e achar que foi algo que só deu um toque mais especial à coisa. Porém eu preferia elementos mais pré no chão, como as surpresas do tipo você estar em uma vila e de repente surgir o cavaleiro da inquisição que tá te caçando, gerando aquela emocionante surpresa.
Os gráficos do jogo são muito legais. Acho que especialmente as cenas escuras me agradaram muito, aquela quantidade enorme de ratos, um caindo por cima do outro e correndo loucamente quando você se move com o fogo, parecendo uma grande massa cinza, é bem fantástico. Outro detalhe que adorei foi a dublagem em inglês, embora eu sei que deveria ter jogado em francês, afinal de contas se passa lá a história né? Mas a equipe de dublagem passa demais a atmosfera, o sentimento é colocado com muita força.
Enfim, baita joguinho gostoso que me envolveu por ser uma bela mistura entre história e jogabilidade. Recomendo sempre dar uma olhadinha no preço dele na Greenman Gaming antes de comprar na steam, algumas vezes os preços deles estão bem abaixo do normal, e sempre lembre de olhar os cupons de desconto que eles espalham pelo site, que deixa a coisa mais barata ainda, dê uma conferida aqui.
0 Comentários