A maioria das pessoas se preocupa com seu bem estar e evitam ao máximo tentar fazer coisas perigosas, e assim muitos buscam por um pouco mais de adrenalina em suas vidas, há aqueles que procuram por coisas radicais como pular de paraquedas, outros por coisas não tão radicais fisicamente mas que podem fazer o estrago de outras formas se der errado, como por exemplo hackers que querem testar suas habilidades, e há aqueles que gostam de brincar com o desconhecido...
O jogo das duas lebres é um daqueles rituais macabros que alguns adoram sair procurando para ver se acontece de verdade. É claro que a maioria não acredita nisso e é usado também como brincadeira, mas claro, sempre há aquela ponta de incerteza onde a pessoa pergunta "Mas e se for real?", é como a brincadeira do compasso e do copo, onde é bem comum crianças e adolescentes em especial resolverem sair do tédio um pouco e tentar algo novo em suas vidas, algo que dê alguma emoção a mais.
Diferente de alguns rituais, esse não pode ser jogado com mais de uma pessoa, é necessário estar sozinho em casa, essa é uma regra obrigatória. Para ser feito é preciso de dois coelhos de pelúcia, um preto e um rosa, a pessoa deve colocá-los em baixo da cama, as três da madrugada é preciso ir até a janela, abrir e sussurrar "Um jogador a mais, um, e tentem me pegar!
Depois disso é só se preparar para fugir, não existem regras além disso, se conseguir não ser pego até as seis da manhã, a sensação de diversão não será comparável a nada sentido antes, se for pego não se sabe o que acontece. Dizem que esse ritual surgiu a partir dessa história originária do interior europeu:
As duas lebres
Há muito tempo, num país do interior europeu, havia duas meninas. Irmãs
gêmeas, nascidas em noite nublada e escura. Pelo fato de serem
idênticas, seus pais as vestiam com roupas também de modelos idênticos,
mas de cores diferentes: uma delas usava combinações em tons de rosa e
vermelho, enquanto a outra tinha roupas em tons de preto e cinza, tendo
uma única cor adicional em comum: branco. Escolheram essas cores pelo
estereótipo de "gêmea má e gêmea boa", apesar de nenhuma delas
apresentar mal comportamento até seus doze anos de idade. Mesmo nessa
idade, continuaram idênticas, sempre juntas, e isso, no caso delas,
significava beleza em dobro. Seus cabelos, presos em dois rabos de
cavalo, formavam um grande cacho ruivo-avermelhado de cada lado de suas
cabeças. Seus olhos castanhos brilhavam tão profundamente que se
assemelhavam a portais para seus pensamentos mais ocultos. Seus rostos
pálidos se encontravam sempre serenos devido ao comportamento impecável
de ambas em todas as situações, exceto em uma. Quando brincavam de seu
jogo favorito, as duas se inquietavam, e um grande sorriso de felicidade
se estampava em seus rostos. Elas eram invencíveis no pega-pega.
Corriam velozes como lebres, e adoravam se gabar disso cantando enquanto
corriam de mãos dadas:
"Duas meninas correndo, duas, e nenhuma você alcança!"
Essa provocação era o grito de guerra das duas e, de fato, ninguém
alcançava mesmo. Seus colegas enraiveciam e sempre paravam de brincar
quando elas entravam no jogo. Até que um dia alguns amigos que não
aguentavam mais perder as desafiaram para uma corrida que, segundo eles,
seria decisiva para o posto de mais rápidas da escola, e seria
realizada após as aulas, num terreno abandonado. Entretanto, foi
ordenado de seus pais que as pequenas voltassem direto para casa, como
de costume. A gêmea trajada em rosa disse que não poderiam comparecer,
mas o orgulho da gêmea em preto a fez aceitar a proposta e começar uma
discussão entre as irmãs. Depois de argumentarem uma com a outra, aos
gritos a gêmea em preto decidiu que iria sozinha, e a gêmea em rosa se
calou, simplesmente dando as costas e andando em direção à sua casa. A
gêmea em preto sorriu triunfante. Ela tinha doze anos, o que poderia
acontecer de tão ruim? Então, ao chegar no terreno abandonado, ela não
encontrou uma pista de corrida, como esperava, mas muita raiva nos olhos
de seus colegas. As horas seguintes foram tristes e dolorosas para a
pequena. Se ela não escolhesse justo aquele dia para sua primeira
teimosia, talvez ela não passasse a saber o quão cruéis podem ser alguns
rituais. A cada volta que os ponteiros do relógio completavam, a
pequena em rosa ficava mais preocupada, e tinha mais dúvidas.
"Ding-dong", fez a campainha às dez da noite, no mesmo dia. Ao abrir a
porta, a mãe das pequenas gritou e abraçou em lágrimas sua filha coberta
de sangue. O pai e a pequena em rosa olhavam sem reação, reparando
rapidamente em diversos aspectos novos na pequena em preto. Seus
cabelos, antes num forte vermelho, agora se destacavam em um branco
puro. Seus olhos castanhos e brilhantes, agora num claro verde, quase
completamente opacos. E, apesar do sangue que a cobria por inteiro, não
havia rasgos em suas roupas, muito menos cortes em sua pele. Todos
entraram no carro a caminho do hospital. Nenhum dos médicos tinha uma
explicação lógica para o que houve com a menina. Não havia alteração
alguma de melanina que explicasse a mudança de cores, ou costura médica
que cicatrizasse completamente em poucas horas o lugar de onde saíra tal
hemorragia. A saúde da menina estava perfeita, e por isso apenas a
limparam e mandaram para casa, onde seus pais a interrogaram sobre o que
houve, e a menina disse não se lembrar de nada, além de passar a tarde
correndo com os amigos. Meses se passaram, e a menina já não conversava
tanto com a irmã. Continuavam sempre juntas, mas também sempre em
silêncio.
No aniversário de treze anos das duas, foi decidido que fariam uma festa
à fantasia, orgulhosa do maior atributo de suas filhas, a velocidade, a
mãe das pequenas costurou fantasias de lebre para as duas: para a
primeira pequena, um vestido rosa de cumprimento nos joelhos, com uma
blusa branca de mangas curtas por baixo dele, meia-calça de lã, também
branca, orelhas de coelho rosa, presas aos elásticos dos dois rabos de
cavalo, sapatos de boneca vermelhos e um grande laço na parte de trás da
cintura, igualmente vermelhos. E, claro, para a segunda pequena, um
modelo idêntico, porém tendo as cores rosa trocada por preto, e vermelho
trocada por cinza. As duas ficaram lindas nos vestidos, e a festa
estava bem cheia. De repente, um homem alto, de máscara e vestido com
uma capa preta, se aproximou parabenizando-as. Após o agradecimento da
pequena em rosa e o silêncio da pequena em preto, ele disse que ouviu
falar da grande velocidade das duas, e as convidou para uma rodada de
pega-pega, valendo um prêmio especial. Logo a pequena em rosa aceitou, e
eles foram para a parte externa da chácara onde acontecia a festa, que
se misturava a um bosque escuro e assustador. O homem disse que daria a
elas um minuto de vantagem e, sem outra saída, deram as mãos e
dispararam para dentro do bosque. Naquela noite, o sorriso enorme no
rosto da pequena em rosa não aparecia no rosto da pequena em preto.
Enquanto ela ria e se divertia, a falta de reação da pequena em preto a
incomodava. Ela não resistiu e gritou :
"Duas meninas correndo, duas, e nenhuma você alcança!"
“...”
Não houve uma segunda voz a acompanhando. Ela gritou de novo, e sua
parceira continuou em silêncio. Irritada, ela largou a mão da irmã e
bradou um grito de guerra diferente:
"Duas meninas correndo, duas, mas essa você não pega!"
Ao gritar a última palavra, o céu começou a trovejar e, assustada, ela
resolveu retornar. Voltando à chácara, não havia mais homem trajado de
negro, nem pequena em preto. A madrugada veio e, enquanto seus pais
ligavam em todas as delegacias desesperadamente, a pequena em rosa,
deitada em sua cama, em meio à escuridão do seu quarto, no segundo andar
da casa, preocupava-se com o desaparecimento de sua irmã.
"Ela estará em casa quando eu acordar?" - pensou ela, poucos segundos antes de adormecer.
Três horas da manhã em ponto, e a menina é acordada pelo barulho da
janela se abrindo. No escuro, viu uma silhueta semelhante à dela,
próxima às cortinas. Ela começou a suar frio, e seus olhos se
arregalaram. Não podia ser... Não havia nem sacada na janela, como ela
poderia ter entrado por ali?! O coração da pequena em rosa acelerava
mais e mais, o ar começou a faltar em seus pulmões, e a carícia que
agora recebia do vulto começou a ficar agressiva, enquanto seus membros
eram arrancados brutalmente de seu tronco e engolidos pelas sombras. A
última cena que ela avistou antes de se entregar à dor, à agonia e à
morte, foi sua amada irmã, sorridente, deitada ao seu lado e dizendo
calmamente:
"Uma menina correndo, uma. E eu finalmente peguei"...
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