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[Conto] Ela precisa de sangue

Esse é o último conto galera, o nome não é oficial, o autor mandou ele faltando horas para o fim do concurso, ele não deu um título e usou um perfil fake pra enviar, depois disso simplesmente sumiu. Como faltava pouquíssimo tempo pra acabar (de um concurso que durou um mês), acredito que ele sabia bem que não ia ganhar, mas enfim, confiram o conto de finalização!


Se você está lendo isso agora, é porque recebeu de um dos corretores da imobiliária que um dia me vendeu esta propriedade que você está prestes a adquirir. Deixei nas minhas coisas, em local bem visível, um envelope contendo esse relato e um pedido – na verdade, uma ordem – de que esta casa não seja vendida sem que o proprietário em potencial tenha acesso a essas palavras. Alimento fortes esperanças de que nunca mais alguém tenha interesse por nem mesmo um milímetro quadrado desse chão.
Eu, Harold McFarlane, adquiri esta propriedade em Março de 1957, logo após casar-me com a senhorita M, cujo nome resolvi resguardar ainda que sem saber a opinião dela a respeito. Na época, a situação era mais auspiciosa, pois eu era um engenheiro mecânico recém-contratado pela Ford Motor Company e trabalhava em Detroit.
Sempre me interessei por carros e tive contato com eles desde a infância. Meu pai era amigo pessoal do próprio Henry Ford. Incentivos de uma figura tão ilustre quanto ele na infância foram me empurrando para frente sempre que alguma adversidade surgia em meu horizonte e assim me formei numa excelente universidade muito jovem.
Conheci a senhorita M no casamento de um colega da Ford e me senti atraído por ela no mesmo instante. Éramos, ambos, muito tímidos e precisamos de muita paciência de ambos os lados para fazer a coisa dar certo. Nos casamos no mesmo ano que nos conhecemos, apesar de nos conhecermos tão pouco. Ela, involuntariamente, conseguia ajustar tudo em sua pessoa, até mesmo sua respiração, para fazer com que eu a desejasse mais, de tal maneira que quanto mais eu usufruía de sua deleitosa companhia, mais cego eu ficava para o que quer que acontecesse ao meu redor: deixava de visitar parentes e amigos no leito de morte, os pensamentos que a envolviam me distraíam tanto que quase me envolvi em inúmeros acidentes de transito por me manter sempre aéreo. O que os homens sentem com bem menos intensidade pela mulher que amam e por um período de tempo razoavelmente breve, eu sinto em exagero até hoje.
Ao obter permissão para ser transferido para uma fábrica menor, larguei Detroit e parti com minha esposa numa jornada para encontrar um lar com o espaço que considerávamos vital para o desenvolvimento dos muitos filhos que pretendíamos ter. A propriedade que está prestes a ser sua – caso o terreno não tenha perdido parte de sua dimensão original – é o tipo de lugar que já não se encontra nesses dias, em que as casas amontoam-se umas por cima das outras e vão parar quase nas nuvens.
Nos mudamos para cá assim que soubemos que nossa garotinha, a doce Jude, estava a caminho desta existência. Apesar de ser um leigo no que tange à medicina, sempre soube que setenta e cinco porcento do sucesso ou do fracasso na geração de uma criança consiste no estado de espírito da mão durante a gestação.
Minha amada esposa, que nunca gostou muito de eventos que exigiam sua interação com estranhos, mal saía de casa. Quando minha Judy veio ao mundo, ela mal punha os pés pra fora daquele portão. Vendo a melancolia de minha mulher, que se dedicava apenas ao trabalho doméstico, enquanto eu passava o dia imerso em tédio em meu escritório na fábrica, insisti que ela buscasse uma atividade que lhe fosse do interesse e lhe desse prazer e eu não mediria esforços para que ela não deixasse de praticá-la.
E, assim, minha esposa se tornou uma exímia esgrimista. Confesso que fiquei desapontado ao ver uma mulher de maneiras e aspecto tão delicado a praticar uma atividade tão violenta na minha concepção e ainda por cima tão masculina. Era vergonhoso deixá-la lutar com aqueles homens sendo ela a única mulher a treinar esgrima na face da Terra, creio eu, devido aos comentários que ouvia pela vizinhança. Mesmo assim, não compartilhava com ela esse meu desconforto. M era mulher muito determinada e odiava que eu lhe dissesse que não devia fazer algo. A grande maioria de nossas brigas tinham isso como motivo. Ela vivia dizendo que eu tentava diminuí-la. Mal sabia ela que eu não a fazia pequena. Ao invés disso, eu a considerava muito maior do que ela realmente merecia ser considerada.
Agora, prometo a você que hei de me ater aos eventos – para não dizer desgraças - que a mudança para esse pedaço maldito de chão me trouxe e lhe alertar dos perigos que aguardam os que pretendem ser donos desta terra amaldiçoada.
Um mês após o nascimento de Jude, tive que retornar a Detroit para comparecer a uma reunião geral da empresa, deixando minha esposa e minha filha recém-nascida aos cuidados de minha prima Amelia, que se fez tão presente quanto eu mesmo nesse período, que dedicou à bebida e a festas repletas de homens mal-intencionados tanto para com os outros quando para com a própria Amelia.
Como se movida por uma força sobrenatural - que apesar de tudo que vi e vivi nos dez anos que morei nesta casa atribuo a nada além da pura inspiração divina, um verdadeiro milagre - , minha esposa lutou e conteve sozinha contra um invasor que a polícia há tempos tentava enfiar no cárcere por efetuar roubos nas residências durante as madrugadas.
Atendendo ao chamado choroso da bebê Judy, minha esposa notou o movimento anormal na casa e, sem fazer um único ruído – proeza da qual eu mesmo confesso que não seria capaz – levou nossa criança ao porão e lá encontrou a arma que usou para ceifar a vida do criminoso. Surpreendendo, com sorte, o ladrão pelas costas, M atingiu a cabeça do indivíduo com um cano de aço inúmeras vezes, esmagando-lhe os miolos.
Eu, como o bom marido, excelente pai e cristão exemplar que me considero, até hoje me pergunto e questiono o Criador sobre o que eu fiz para ofendê-lo tanto a ponto de receber castigo tão cruel quando o que me foi administrado alguns depois da invasão de minha casa e me indag o porque não larguei a diabólica residência quando tive oportunidade nos primeiros meses. Hoje, entendo que não podemos atribuir a Deus as palavras, promessas e atos diabólicos de alguém cuja índole nunca questionei e que, quando paro pra pensar, não me arrependo de ter deixado me enganar.
Saí do escritório mais cedo, esperando que minha esposa estivesse no treino de esgrima e minha filha estivesse na escola. Contratamos uma babá que trabalhava conforme a necessidade e ela se prontificou a buscar Jude na escola. E assim recebi a visita de um campeão dos Detroit Tigers, em circunstâncias que eu nunca esperei e jamais desejaria.
O senhor J, cuja identidade resguardo por ainda nutrir admiração pelo time e por ser fã de beisebol desde a infância, um homem que admirei até o que estou prestes a lhe relatar acontecer e cuja carreira nos Tigers sempre acompanhei, seja no estádio ou na TV, se aliou à pessoa em quem eu mais confiava para dar me dar um golpe que, se não fosse por minha doce Judy, eu preferia que tivesse me tirado a vida, seja lá como.
Minha esposa havia faltado ao treino naquela tarde. Ela achou preferível acompanhar o senhor J até a cama que eu ousei achar que era minha e trocar com ele carícias tantas que algumas eu acho que nem eu tive oportunidade. Ao me ver, o maldito jogador pulou a janela, deixando peças de roupa como se eu fosse completamente cego. A mulher que me fez tolo o suficiente para chamá-la de minha se encontrava completamente nua na cama e me dirigia palavras de alguém que acabava de acordar de um sono profundo, como se não tivesse de pernas abertas para um homem momentos antes. Me mantive por minutos paralisado e o único movimento que fiz depois de então foi um forte soluço que desembocou em um choro de quase uma hora.
Os tempos eram difíceis e, apesar da traição, aceitei retomar meu casamento e minha vida familiar como se aquele evento tão aterrador nunca tivesse ocorrido. Só pedi uma coisa em troca a M: que ela não só se encontrasse com o senhor J, bem como cortasse todo e qualquer contato que pudesse ter com ele.
Não muito tempo depois, a promessa foi quebrada, ainda que contra a vontade de M. Sua irmã Emma tinha vindo à cidade ver Judy, que nunca tivera a oportunidade de conhecer pessoalmente. Permiti que ela fosse buscar Emma na estação de trem, sendo essa ocasião a primeira vez que minha esposa saía desacompanhada desde o incidente em que encontrei o senhor J no meu quarto, na cama onde nunca mais fui capaz de dormir.
Contrariado pela indiferença de M, o senhor J foi ao encontro dela assim que a viu dobrar uma esquina longe o suficiente de nossa casa e dos olhos da vizinhança, disposto a dar o final mais trágico que o romance deles dois pudesse ter. M teve todas as costelas quebradas, bem como uma série de outros ferimentos tão graves quanto ou até piores em outras partes do corpo. Após reconhecer o cadáver, prestar depoimento à polícia e providenciar o retorno de Emma à sua casa, nada mas soube sobre o caso, exceto que o senhor J foi condenado a não sei quanto tempo em cárcere e que a (bizarra) arma de seu crime consistia em um bastão de beisebol – por mais irônico que pareça – cravejado de pregos.
Após meu ingresso na viuvez, despertou em mim uma vontade imensa de livrar-me desta casa, mas uma série de infortúnios de caráter financeiros me prenderam a estas paredes manchadas com o sangue de um ladrão e com as lembranças da falecida adúltera. A permanência nesta residência se tornou um desconforto ainda maior quando a pobre Judy, aos 5 anos de idade, passou a me relatar frequentemente histórias que envolviam uma mulher que, segundo o que ela me contava, não era idêntica à minha esposa, mas compartilhava muitos de seus traços principais. Supostamente, a mulher vagava em trajes antiquados pela casa a roubar alimentos de minhas despensa e geladeira e todas as noites tentava, sem sucesso, me acordar para me falar coisas importantes que Judy nunca entenderia.
A professora de Judy tentava me tranquilizar dizendo que essa era uma forma comum de crianças pequenas reagirem à perda de alguém importante para elas. Era comum a tal mulher protagonizar alguns dos desenhos que Judy fazia na escola. Sinto muito pelas vezes que não pareci dar o reconhecimento costumeiro dos pais aos garranchos dos filhos, devido à preocupação que a presença desse macabro personagem imaginário em nossas vidas.
Uma vez, criei coragem e resolvi entrevistar minha filhinha sobre a aparição fantasmagórica. Ao ser questionada acerca do por que o suposto fantasma não saía de minha casa e não se manifestara anteriormente em todos os anos em que moramos lá, Judy me explicou que a Moça de Branco, nome que a criatura recebeu de Judy e pareceu aceitar de muito bom grado, fora aprisionada em seu quarto pelo próprio pai e era incapaz de sair do perímetro da propriedade, conseguindo abandonar seus aposentos apenas porque “os anjos desceriam em breve e ela deveria recepcioná-los”, porém a jovem parecia desesperada pelo fato de que “o vírus não surtiu o efeito esperado nela, apenas retardou seu envelhecimento”. Tal fantasia descartava a hipótese de que Judy via – ou pelo menos imaginava – o fantasma de minha falecida esposa durante as madrugadas, todavia as explicações que minha criança dava me pareciam complexas demais para uma criança de cinco anos analfabeta.
Incapaz de me ver livre das fantasiosas de Judy, resolvi “entrar no jogo” e perguntar porque eu, portador de um sono tão leve desde a morte de minha esposa, não conseguia ser despertado pelas desesperadas tentativas da Moça de Branco, ao que Judy respondeu: “as ondas binaurais varrem toda a casa até a hora em que a Moça volta pro quarto dela, papai. O pai dela faz questão que todos os adultos na casa durmam enquanto ela e o irmão saem pra comer. O irmão dela é mal, mas só prefere ficar lá fora pra impedir que outro intruso passe por nossa porta”.
Ao me deparar com o termo “ondas binaurais” no discurso de Judy, que é incomum até entre adultos, resolvi levar a história um pouco mais a sério. Liguei para a imobiliária e indaguei a corretora que me ajudou na compra da propriedade sobre os antigos donos da casa.
Vinte anos antes da casa ser adquirida por mim, ela pertencia ao seu primeiro dono, que encomendou sua construção ao se casar pela segunda vez. Derek von Däniken era um cientista imigrante que, segundo boatos espalhados na vizinhança trabalhou em segredo desde jovem para o governo americano.
Von Däniken era um grande fã do boxe, e ao convidar para um jantar um renomado pugilista que se tornara seu amigo pessoal que chamarei de senhor A, foi assassinado pelo mesmo. O senhor A tirou a vida de Derek a socos, tendo os punhos protegidos pela luva de tecido que usava para se proteger do inverno na ocasião. Mesmo depois de matar von Däniken, o boxeador ainda quebrou as pernas dele antes de ser preso.
Intrigado pelo rumo absurdo e macabro que a história ia tomando, pesquisei a respeito e fui em busca do paradeiro do senhor A, o que me levou a um manicômio na cidade vizinha onde ele ficara internado desde o assassinato do suposto cientista do governo.
Levei alguns itens básicos para o senhor A, que quase nunca recebia visitas de familiares. Conversei com ele sobre os mais variados assuntos e até então ele me pareceu um homem perfeitamente lúcido. Incapaz de esconder minha curiosidade relacionada ao que fui fazer naquele hospício, indaguei o senhor A sobre os motivos que o levaram a assassinar von Däniken.
- Você faria o mesmo se fosse eu, meu bom homem! - respondeu com um olhar perturbador e insano o senhor A. - Fazer aquilo com os próprios filhos e se livrar da esposa porque ela foi contrária a seus estratagemas diabólicos! Eram crianças tão lindas e hoje devem sofrer tanto, enfiados embaixo da Terra sem nem ter lembranças da luz do Sol, provavelmente a esperar o dia em que os demônios de Carcosa descerão sobre a nosso mundo. Há décadas as duas crianças devem esperar pelo Dia Em Que a Terra Há de Parar . Muitos aqui dão cartaz aos relatos do que vi no dia em que visitei o circo de horrores que Derek von Däniken preparou para me mostrar naquele dia, mas são todos loucos. Você, que mora naquela casa, é diferente deles e pode ver com seus próprios olhos.
Ao notar que o senhor A se exaltava de maneira aterradora, os enfermeiros me tiraram de sua presença, de tal maneira que as últimas palavras que ouvi de sua boca foram uma sequência de números - “0-2-7-1-6-9-2-3” - e os apelos desesperados: “Não deixe de ver com seus próprios olhos quão monstruosa era a mente do homem que tirei da face da Terra”.
Nas semanas que se seguiram, Judy insistia que eu dormisse no mesmo quarto em que ela, pois temia que a Moça de Branco tentasse tirar seu sangue durante a madrugada o que, segundo ela, “era necessário para manter seu corpo cibernético”. Mal sabia eu quão inocente eu fui, achando que poderia livrar minha pobre e doce criança do triste fim que a esperava.
No dia seguinte, encontrei já nos limites da propriedade e li o primeiro e único bilhetinho de minha filha recém alfabetizada e só de lembrar, sinto que meus órgãos tentam se ejetarem de meu corpo e parece que vou me desfazer em lágrimas.
“Papai, a Moça de Branco se zangou comigo purque eu não quis dá a ela meu sangue. Fis de tudo para despertalo, mas o senhô não acordava. O irmão dela já me viu e agora quer me pegar aqui fora. Amanhã o senhor vai me encontrar no parque, onde eu vô me esconder até o sol nascer denovo.”
Chamei a polícia, que, através do inspetor S, cujo nome não revelarei por falta de oportunidade de perguntar se me é permitido, após realizar uma investigação rápida me trouxe o segundo resultado: independente de quem era o assassino de minha pequena Judy, foi alguém com força suficiente para arrancar a placa do ponto de ônibus do chão de minha calçada e usá-lo para golpear - de maneira tão brutal que seu rosto ficou desfigurado e o velório com pouquíssimos presentes teve que ser feito com o caixão fechado - minha frágil e inocente filhinha, que com sua partida levou todos os motivos que eu tinha para me manter vivo, me tornando num fantasma cinzento que dormia, acordava e saía para o trabalho com o espírito repleto de desejo de vingança.
Tomando conhecimento do luto que se apossara de mim, minha irmã Gabrielle mandou, após muita insistência minha para que ela não fizesse isso, seu problemático filho de oito anos, que chamarei de K. Tendo sido expulso da terceira escola consecutiva, K foi matriculado numa escolinha próximo a esta casa e jogado nas minhas costas com a desculpa de que “eu precisava de uma criança para fazer frente à solidão destas quatro paredes.”
Mal sabia minha irmã oportunista que seu filho doente – tanto do corpo como da mente – me trouxe mais preocupações e pesar do que qualquer outra coisa seria capaz de me trazer. O menino, de apenas 10 anos, trazia para casa animais mortos que ele mesmo abatia em suas perversas brincadeiras na propriedade ou no caminho de volta da escola. Muitas vezes, eu tinha que comparecer à instituição pra acatar reclamações de professoras que vinham me relatar casos em que K havia tecido comentários inapropriados sobre a mãe de outras crianças, que ele agredia com socos, pontapés e juras de morte, e sobre outras professoras. Muitas vezes, o garoto interditava a rua com pneus usados, carrinhos roubados do supermercado – o que demandava várias viagens da loja até a casa – e árvores de natal descartadas.
Numa manhã de 1964, recebi através da polícia a notícia de que K tinha sido detido por ter usado uma grande escova de limpeza, provavelmente subtraída de minha casa, para matar outra criança do bairro, golpeando o menino, bem mais novo do que ele, várias vezes e impalando-o ao final. Gabrielle fez de tudo para livrar o garoto das consequências de seu ato insano, mas ele acabou sendo conduzido ao mesmo manicômio que o senhor A, ficando, porém, na ala infantil. As últimas palavras que ouvi da infortunada criança foram: “a Mulher de Branco precisava de sangue, eu não daria o meu, mas não creio que ela rejeitaria o de outro.”
Os vizinhos, cujos olhares já não me agradavam, pois era fruto de todas as desgraças que haviam me acontecido antes, me dirigiam reprimendas ainda piores, o que fazia com que eu me sentisse tão infeliz quanto um homem pode se sentir e tão miserável quanto os cachorros de rua que eram levados para o canil.
Um ano depois, resolvi eu mesmo ir em busca de companhia. Não só porque as lembranças que me assolavam nesta casa me incomodavam e me adoeciam, mas também porque a imensa casa precisava de alguém que me ajudasse a mantê-la em ordem.
Felizmente – por incrível que pareça - , uma prima distante minha que veio da Europa quando eu ainda era uma criança, a quem chamarei de Y, foi solta do presídio onde cumpria pena por matar o marido agressor com dez flechadas.
Apesar de ter receio sobre como isto iria afetá-la, resolvi comprar um conjunto de arquearia para que Y retomasse os treinos. A propriedade tinha espaço de sobra para que ela retomasse sua paixão pelo esporte e ela sempre me falava de arquearia com um tom extremamente empolgado. Y era uma dona de casa excelente, cuidava muito bem de mim e tinha um grande sentimento de gratidão para com minha pessoa.
Poucos dias antes da partida de Y de volta para a Europa, para onde ia embora cuidar da mãe doente, tomei a liberdade de contar minha triste história de desventuras e mortes desnecessárias. A reação dela foi impressionante. Y pediu para que eu comprasse uma arma de fogo, artefato do qual me desfiz quando passei a ter uma criança em casa e se prontificou a tomar comigo um chá, a ser preparado por ela, que nos manteria acordado por toda a madrugada, de tal maneira que seríamos capazes de confrontar a tal Moça de Branco durante seu período de atividade.
Na véspera de sua viagem para a Europa, Y ficou acordada ao meu lado na cozinha. Assim que ouvimos o ranger da porta da frente, seguimos em direção ao ruído. A figura que veio ao nosso encontro era indiscritivelmente macabra. Seus olhos em muito diferiam dos humanos, parecendo com as grandes esferas divididas em pequenos hexágonos que se encaixam nas órbitas oculares das moscas. Vestida em um longo vestido branco, fechado através de botões e de um enorme laço vermelho próximo ao pescoço. Muito branca e com longos cabelos loiros, a Moça de Branco flutuava a cerca de um pé do chão.
Todos os seis disparos do meu revólver foram em vão. Ao fazer a curva no corredor, foi como se ela tivesse sumido, pois instantes depois nós teríamos alcançado ela no quarto que fora de Judy, para onde ela rumava, mas não a encontramos lá. Ouvimos do lado de fora as palavras, ditas por uma voz feminina: “Eles estão de pé,Igor. Venha pegá-los!”
Y foi na frente, sem esperar que eu recarregasse a arma. Quando a encontrei do lado de fora na casa, ela já havia aleijado o que eu creio ser a criatura de aparência mais angustiante da face da Terra e já preparava a flecha que em cheio lhe atingiu a cabeça. Fomos ao encontro do corpo ainda vivo daquele que tenho certeza que matou minha pequena e inocente criança.
Hesitei em disparar contra sua cabeça, mas Y não pôde conter a ira que provavelmente lhe atingia com a mesma intensidade que na noite em que matou o próprio marido. Já havia cravado seis flechas nas pernas da criatura que se arrastava rumo aos fundos da casa com os braços. Além da que atravessava lateralmente a cabeça do monstro, Y fez questão que outras três setas se plantassem na cabeça da criatura, que morreu sem responder a nenhum dos questionamentos que fiz acerca dos motivos que o levaram a tirar a vida de minha garotinha.
A criatura tinha os principais traços humanos, media aproximadamente vinte pés de altura e devia pesar o equivalente a 1600 libras. Sua pele era predominantemente de um verde cinzento, com manchas amarelas com verde ou vermelho. Sua pele era áspera e a estrutura de seus músculos e ossos ia muito além dos padrões humanos. Compartilhava os mesmos olhos que a Moça de Branco, porém maiores, proporcionais ao seu tamanho, tinha uma longa cabeleira loira e em sua mão direita trazia a arma que usou para assassinar a pequena Jude: uma placa do ponto de ônibus situado em minha calçada.
Após inspecionarmos a criatura, vasculhamos a propriedade em busca de um novo encontro com a Mulher de Branco, mas nossa tentativa se mostrou infrutífera.
Acabei, assim, largando meu emprego e deixando a propriedade à venda e aceitando o convite de Y de ir para a Europa morar com uma parte da família que até então me era desconhecida. Não acho justo que o próximo comprador da casa adquira-a sem saber dos infortúnios que tive ao me tornar dono dela, de tal maneira que só há de comprá-la quem achar meu relato apenas mais um devaneio de apenas mais um homem com problemas de

Autor: Israel Wilson Nobre Barreto

E aí, o que acharam do último conto do concurso? Não se esqueçam de ir a página com lista do concurso de contos de terror do blog e dizer quais os contos que você mais gostou! =D

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6 Comentários

  1. Uma pena este ser o último conto, já estava super acostumada a uma leitura diária de um conto de terror. Muito boa a iniciativa do concurso e espero que este não seja o último!
    Este conto enviado às pressas pelo rapaz misterioso acabou me surpreendendo. Ele me pareceu um conto que homenageia vários ícones como Ford, von Daniken com suas Aparições e os contos de suspense de antigamente que sempre tinha o deformado que sofreu experiências e acabou se tornando um assassino mantido escondido em algum canto do castelo (casa, neste caso)! A Mulher de Branco é clássica e não podia faltar. Enfim, gostei muito das homenagens feitas!
    O conto acabou se perdendo um pouco, mas é compreensível ocorrer por ter de ser adequado a um tamanho razoável para leitura no blog.
    IWNB acabou fazendo o que não consegui, que foi mandar um conto mesmo que em cima da hora... bom quem.sabe na próxima?
    Parabéns a todos que enviaram os contos, super valeu a pena lê-los e obrigada pela oportunidade Sky! ;)

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  2. Quanta tragédia, meu deus!
    Bom conto!

    Aguardo o próximo concurso de contos, Sky. Adorei participar deste e adorei ler todos estes contos "amadores".
    À exemplo deste último conto, onde o autor enviou sem perspectiva de ganhar o concurso, um concurso destes não precisa necessariamente ter uma premiação. Quando enviei meu conto, não pedi à ninguém que o lesse ou curtisse, mesmo assim tive umas 3 curtidas aleatórias. Eu enviei meu conto apenas porque queria participar, e imagino que assim como eu, a maioria dos participantes do concurso resolveram enviar contos apenas com o intuito de participar.
    Nenhum prêmio substitui essa oportunidade de escrever e ser lido. Você está de certa forma acostumado com isso, Sky, mas para pessoas como nós, poder contribuir com o conteúdo do nosso blog favorito é impagável.

    Qual é o próximo tema? ò_ó

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  3. Algo que se passa no universo da banda UDR. Ò_Ò!

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  4. Galera, Israel falando. Venho aproveitar esse espaço pra divulgar a campanha de A Serpente de Éter no Kickante

    http://www.kickante.com.br/campanhas/serpente-de-eter

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